Da Reportagem
Passados 51 anos, o desastre do Gran
Circo Norte-Americano ainda é tema discutido na cidade. Há questionamentos
sobre o número real de vítimas, que poderia ser ainda maior, e sobre a autoria,
creditada pela polícia a um empregado que, demitido do circo, teria se aliado a
dois mendigos para incendiar a lona.
Havia, de acordo com a crônica da
época, pelo menos 2.000 pessoas sob a lona do Norte-Americano quando o fogo
começou. Inflamável, a cobertura caiu sobre a multidão em pânico, o que
certamente impediu que centenas de espectadores escapassem pela única e
estreita saída.
As labaredas arderam por dez minutos.
Apagadas, revelaram um cenário jamais visto em uma cidade pacata, com não mais
do que 250 mil habitantes: corpos calcinados espalhados às centenas pelo
terreno onde até minutos antes funcionara um circo. Ao redor, agonizantes
imploravam atenção e socorro.
Para agravar ainda mais o quadro, a
rede hospitalar da capital fluminense estava semiparalisada por uma greve que
já durava 20 dias. O Hospital Antônio Pedro foi reaberto emergencialmente.
Um dos médicos envolvidos no
atendimento aos queimados, o clínico Marcio Torres relembra um episódio que o
marcou. Ele estava no quinto andar do Antônio Pedro, sozinho com pacientes
moribundos, quando reparou na entrada de um homem de terno, que, chocado com o
que via, desatou a chorar.
Com 26 anos na época, Torres chegou a
pensar que, por uma desatenção da triagem, o parente de um ferido conseguira
chegar à enfermaria. Ao aproximar-se, o médico descobriu quem era o visitante:
o então presidente da República, João Goulart.
"Eu atendia na enfermaria quando
vi chegar um senhor cambaleante Ele se abaixou na mesa e começou a chorar que
nem criança. Só depois vi que era o Jango. Não era um choro demagógico,
fabricado para câmeras. Ele estava só, nem tinha me visto. Não trocamos
palavra. Eu o peguei por um braço, o bispo de Niterói chegou e o pegou pelo
outro, e o ajudamos a deixar a enfermaria", rememora o clínico, que
completa hoje 78 anos.
Lenir Ferreira, de 77 anos, perdeu o
marido e os filhos de 2 e 3 anos no incêndio. Estava grávida. Também perdeu a
criança que nasceria. Passou nove meses hospitalizada. Traz cicatrizes
espalhadas pelo corpo. Por ter perdido parte do couro cabeludo, ainda hoje usa
peruca.
"Já vivemos isso. Essa tragédia
no Rio Grande do Sul me fez lembrar tudo o que passamos em Niterói. Lembro bem
que quando o fogo do circo apagou, apareceu um soldado que gritou: 'Quem está
vivo aí, levanta a mão'. Consegui levantar o braço com muita dificuldade. Não
consigo esquecer", disse ela.
Outro sobrevivente é o coronel Mário
Sérgio Duarte, ex-comandante-geral da Polícia Militar (PM) do Rio. Ele tinha
quatro anos. Ao ver o fogo na lona, avisou ao pai e à irmã, mais velha um ano.
Os três fugiram por um buraco escavado no chão.
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