* Ricardo E. Musafir
A Lei Municipal 938,
de 29 de dezembro de 1986, determina a instalação de equipamento
audiovisual de sinalização sonora e luminosa para advertência de
pedestres em “entradas ou saídas de veículos”. Especifica
também particularidades da operação e instalação desses
dispositivos, como, por exemplo, a obrigação do desligamento do
sinal sonoro no período noturno ou a duração máxima permitida
para o sinal. A presente comunicação discute tanto as
particularidades da Lei 938/86 como as características dos sistemas
de sinalização encontrados no Município do Rio de Janeiro,
incluindo sua forma de operação e eficiência.
Segundo a Lei,
“sinaleiras de advertência” devem ser instaladas nas “entradas
e saídas de veículos”, seja em garagens particulares,
estacionamentos ou oficinas mecânicas, quando comportarem mais de
dois veículos. Residências unifamiliares, cujas garagens ou pátios
de estacionamento comportem até quatro veículos estão dispensadas
da instalação. A Lei determina também que: o equipamento deve ser
acionado “quando da saída” dos veículos; o comando pode ser
“manual ou automático”. “Se automático, obedecerá ao contato
de dispositivos, colocados no piso da garagem, com as rodas dos
veículos ou por meio de sistema de células foto-elétricas”; o
sinal sonoro “deve ser desligado diariamente no período entre as
22:00 e 6:00 horas”, mantendo-se, entretanto, a sinalização
luminosa; equipamento “não poderá emitir níveis sonoros
superiores a 85 dB(A)” ; “o tempo de funcionamento do dispositivo
sonoro” não poderá “ser superior a 30 segundos”.
A mera observação
revela que, enquanto a maioria das garagens da Zonas Sul e Norte do
Município possuem o referido equipamento de sinalização
audiovisual, a sua operação está, freqüentemente, em desacordo
com a Lei. Por exemplo: um grande número de instalações é feito
de tal maneira que o sinal sonoro é acionado tanto na saída quanto
na entrada de veículos, além de em diversas outras oportunidades
não relacionadas à movimentação de veículos; a determinação do
desligamento noturno é, freqüentemente, ignorada.
A fim de melhor
ilustrar esses aspectos, são apresentados abaixo os dados referentes
a dois levantamentos realizados na Zona Sul do Município do Rio de
janeiro, o primeiro em 1993, envolvendo 30 prédios nos bairros de
Laranjeiras, Flamengo e Largo do Machado, e o segundo, realizado em
setembro de 2002, referente a 40 prédios em Copacabana.
Parte dos dados
obtidos no primeiro levantamento – apresentados de forma mais
detalhada no 14o Encontro da Sociedade Brasileira de Acústica [1] –
está mostrada na Tabela I, enquanto que os do segundo, na Tabela II.
As característica listadas são o tipo de acionamento, a quantidade
dos equipamentos que são acionados apenas pela saída de veículos
e, também, daqueles que são desligados no período noturno. Outras
características são discutidas no texto.
Tabela I:
Distribuição do tipo e particularidades do acionamento e operação
dos sistemas de sinalização para 30 prédios (1993). A: abertura do
portão; B: borracha no chão; M: manual.
Tabela Musafir 1
Tabela II:
Distribuição do tipo e particularidades do acionamento e operação
dos sistemas de sinalização para 40 prédios em Copacabana (2002).
A: abertura do portão; B: borracha no chão; C: célula
foto-elétrica; M: manual.
Tabela Musafir 2
Os tipos de
acionamento observados foram o manual (nesse caso, todos controlados
pelo porteiro no segundo levantamento e cerca de metade pelo porteiro
e metade pelo motorista, no primeiro) e três tipos de acionamento
automático: associado à abertura do portão da garagem (ou da grade
do prédio), sendo esse o método mais encontrado; o uso de uma
borracha no solo, a ser pressionada pelas rodas do veículo; sensor
com célula foto-elétrica (apenas duas ocorrências, ambas no
segundo levantamento).
Os dados indicam o
predomínio da utilização do acionamento automático em relação
ao manual. Esta e outras características são discutidas mais
detalhadamente abaixo.
Alguns problemas do
acionamento automático
É importante notar
que, dentre os 66 sistemas de acionamento automático encontrados nos
dois levantamentos, apenas um – no levantamento de 1993, utilizando
borrachas no solo – poderia ser chamado de inteligente, pois era
feito de forma a soar exclusivamente na saída dos veículos. Os
demais soam, no mínimo, na entrada e na saída. Costumam,
entretanto, soar também em outras ocasiões: Os sistemas acionados
através de borracha soam quando a mesma é pisada ou na
eventualidade de ser pressionada durante manobras na garagem. Mais
grave é o caso das células foto-elétricas, que disparam o sinal
sonoro quando qualquer objeto (por exemplo, veículos ou pessoas)
interrompe o feixe luminoso. Foram observados, nesse caso, episódios
de acionamentos durando mais de um minuto sem saída ou entrada de
carros. A pior situação, entretanto, é a do acionamento associado
à abertura do portão, já que em um número apreciável de prédios
o portão da garagem (ou a grade que dispara o sinal sonoro) é
freqüentemente aberto para a passagem de pedestres, seja para acesso
à garagem ou à entrada de serviço. Nesses casos, a entrada de
entregadores de pizza ou de farmácia é saudada por um sinal sonoro.
Existem casos extremos em que praticamente todo o acesso ao prédio
é, de fato, feito pela abertura de uma grade que aciona o sinal
sonoro, que é disparado a cada entrada ou saída de pedestre, além
de nas movimentações de veículos.
É possível a
interpretação de que a Lei exige o acionamento tanto na entrada
quanto na saída dos veículos – pois “dispõe sobre a
obrigatoriedade da instalação de sinaleiras de advertência para
pedestres nas entradas e saídas de garagens de automóveis” – o
que justificaria o tipo de sistema de acionamento automático mais
freqüentemente encontrado. Como, entretanto, a Lei permite o
acionamento manual (que não é utilizado para sinalizar entradas),
dizendo claramente que o sinal sonoro deve ser acionado “na saída”
dos veículos, não resta dúvida de que essa interpretação é
equivocada. Existe também a opinião, ouvida algumas vezes durante o
último levantamento, de que é importante para os pedestres a
sinalização tanto da saída quanto da entrada de veículos. Como,
para entrada na garagem, o motorista tem a plena visão do movimento
dos pedestres, (podendo, se conveniente, utilizar a buzina), esse
argumento não se justifica.
Para alguns prédios,
a saída da garagem é de tal forma que permite que o motorista tenha
visão completa dos transeuntes que podem cruzar o caminho do
veículo, não havendo, então, nenhuma necessidade de sinalização.
Nesses casos (nos quais o sinal é disparado, geralmente, pela
abertura de uma grade que permite a visão para os dois lados), todos
os acionamentos podem ser considerados inúteis.
Duração do Sinal
No levantamento de
1993, a duração do sinal sonoro foi verificada para todos os 30
prédios, estando, na grande maioria dos casos em torno de 30
segundos, tanto para acionamento manual como para automático (no
segundo caso esse é, aproximadamente, o tempo para abertura e
fechamento automático do portão).
No levantamento de
2002 a duração do sinal não foi sistematicamente levantada,
observando-se, entretanto, que no caso de acionamento manual a) em
alguns casos o sinal é emitido apenas enquanto o botão da campainha
estiver sendo pressionado, este sendo, sem dúvida, o melhor sistema;
b) há casos em que a minuteria está programada para emitir um sinal
com duração excessivamente longa: foram observados casos de sinas
de 1 minuto e até, para uma garagem utilizada exclusivamente para o
aluguel de vagas, de 2 minutos por acionamento, o que, por qualquer
critério, é inadmissível.
Para o acionamento
automático, a duração é, freqüentemente, em torno de 30
segundos. O fato, entretanto, de que para vários sistemas o sinal
continua a tocar até o portão ser completamente fechado gera, com
alguma freqüência, emissões exageradas: uma situação típica é
durante a retirada do lixo, o portão da garagem ficando aberto por
alguns minutos, o alarme tocando durante todo o intervalo. Em um dos
prédios examinados o sistema estava desativado devido ao recebimento
de duas notificações da Secretaria Municipal de Meio Ambiente
(SMAC) relacionadas à duração excessiva do sinal sonoro: naquele
prédio, dado à proximidade entre a porta da garagem e a rua, o
portão tem de ser mantido aberto até o carro poder, de fato,
partir, o que, numa rua de tráfego intenso, pode levar alguns
minutos para acontecer. Existem também casos (poucos, é verdade,
mas que podem causar grande incômodo aos vizinhos) onde o fechamento
do portão só acontece quando comandado pelo porteiro. Isso permite
que, em diversas ocasiões, a sinaleira soe por vários minutos ou,
até, por mais de meia hora.
Deve-se notar que
mesmo os 30 segundo permitidos por lei constituem um intervalo
excessivamente longo para a sinalização da saída de um veículo. O
uso de dispositivos de controle de tempo, disponíveis no mercado a
baixíssimo custo, permitiria uma melhora significativa na eficiência
da sinalização.
Período de
Desligamento
Os dados nas Tabelas
I e II indicam um aumento no cumprimento da especificação de
desligar o sinal sonoro no período noturno. Esse aumento é, ao
menos em parte, devido à fiscalização realizada pela Secretaria
Municipal de Meio Ambiente, motivada por reclamações específicas.
Solicitações feitas diretamente ao condomínio, por vizinhos ou
mesmo por moradores do próprio prédio, também contribuem para o
desligamento durante a noite, da mesma forma que o bom senso de que
nesse período o sinal sonoro é, essencialmente, uma fonte de
incômodo, bom senso esse que independe do conhecimento da lei.
Dos 13 casos
encontrados no levantamento de 2002, 11 correspondiam ao acionamento
acoplado à abertura do portão (como comentado, a situação
responsável pelo maior número de alarmes desnecessários) e 2 a
acionamento manual. Observou-se que o intervalo utilizado para o
desligamento varia consideravelmente, sendo que apenas em 3 dos 13
prédios o sinal sonoro é desativado no período especificado pela
Lei 938/86 (das 22:00 às 6:00). Enquanto um dos prédios utiliza um
período menor do que aquele (das 24:00 às 6:00), os outros 9
desativam o sinal por um período mais longo, desligando-o entre
19:00 e 22:00 horas e ligando-o novamente entre 7:00 e 9:00 horas da
manhã.
Observe-se que o
período de desligamento especificado na Lei 938/86 (das 22:00 às
6:00) é extremamente curto, permitindo que as sinaleiras perturbem o
sono. Deve-se notar que a Resolução CONAMA 001 de 08 de março de
1990 [2] considera como “prejudiciais à saúde e ao sossego
público (...) ruídos com níveis superiores aos considerados
aceitáveis pela NBR 101.51”. A versão da norma em vigor [3]
estipula, como período noturno mínimo, o que vai das 22:00 às
7:00, determinando também que, nas manhãs de domingos e feriados, o
término do período noturno mínimo deve ser prorrogado até as 9:00
horas. Entende-se que o período de desligamento das campainhas a ser
considerado seria o estipulado como “período noturno mínimo”
pela NBR10.151. É interessante notar que, como apontado acima, são
encontrados diversos prédios onde o desligamento acontece por um
período anda maior que aquele. Isso acontece, possivelmente, por
considerações sobre o que é razoável para não perturbar os
vizinhos (ou os próprios moradores). Infelizmente, a proporção de
condomínios que se preocupa em desativar o sinal durante a noite
ainda é bastante reduzida.
Incômodo x
Eficiência
As sinaleiras são
instaladas, em tese, para garantir a proteção dos pedestres. É
fácil constatar, entretanto, que a maior parte deles simplesmente
ignora o sinal sonoro, continuando a andar sem nem mesmo desviar o
olhar. Isso pode ser tanto devido ao hábito de “não ouvir”, que
vamos desenvolvendo quase como uma estratégia de sobrevivência em
face do ruído constante nas grandes cidades, como pela constatação
de que, na maioria das vezes o sinal realmente não anuncia a saída
de veículo. De fato, o soar freqüente de sinaleiras está de tal
forma incorporado ao panorama sonoro do Rio de Janeiro, que é
natural, para alguns, simplesmente ignorá-lo. Por outro lado, no
interior das residências, o sinal é nitidamente percebido,
constituindo, para diversas pessoas, uma fonte importante de
incômodo.
A Secretaria
Municipal de Meio Ambiente recebe um número significativo de
reclamações referentes a sinaleiras de garagem, ainda que a
quantidade seja pequena se comparada com outras queixas recebidas
através do “Disque barulho” (2503-2795). Os números indicam, no
ano corrente (até 17 de setembro), 76 reclamações cadastradas pelo
escritório responsável pela Zona Sul e Tijuca e 29 pelo escritório
encarregado do restante da Zona Norte. Esses dois escritórios
cadastraram, desde 1998 (até 17/09/02) o total de 490 reclamações
referentes a esse tema, muitas delas evolvendo duas ou mais
sinaleiras.
É importante notar
que dificilmente uma sinaleira produz um nível de ruído próximo de
85 dB(A), este valor constando da Lei 938/86 possivelmente por ser o
valor limite para exposição a ruído contínuo por 8 horas diárias
considerado pelo Ministério do Trabalho, de acordo com a NR-15 [4].
Como para a maioria
dos sistemas de sinalização, mais da metade dos sinais emitidos não
se referem à saída de veículos (além de serem, freqüentemente,
desnecessariamente longos), as sinaleiras, terminam, nesses casos,
não cumprindo nenhuma função útil, comportando-se apenas como
fontes de poluição sonora.
O exame de sistemas
típicos de sinalização sonora indica que a maioria deles é muito
pouco inteligente, soando por um tempo desnecessariamente longo e,
freqüentemente, à toa. Para esses, a maior parte dos acionamentos
não se refere à saída de veículos. A tecnologia atual permite, a
baixíssimo custo, a construção de sistemas inteligentes e com
controle adequado de tempo. Entretanto, o que se verifica,
freqüentemente, é a instalação de sinaleiras com o mero intuito
de cumprir o requisito legal de instalação, de forma a garantir a
ausência de responsabilidade em caso de atropelamento, mas sem
preocupação quanto à eficiência do sistema ou com o seu potencial
de causar incômodo. A obrigatoriedade do desligamento noturno é,
também, freqüentemente ignorada. Dessa forma, pode-se questionar se
as sinaleiras trazem, de fato, alguma contribuição ao bem estar
público. Na verdade, há uma forte contribuição negativa, tanto
pelo incômodo criado para a parcela da população que efetivamente
percebe o ruído, quanto pelo aspecto “deseducador”, ao aumentar
a quantidade de sinais sonoros que nada significam, ensinando a
população a não dar atenção a tais alarmes, isto é, a “não
ouvir”.
Em face disso,
sugere-se que seja PROIBIDA a utilização de sinaleiras ativadas
pela abertura de portão ou outras que não sejam acionadas,
majoritariamente, apenas pela SAÍDA de veículos. Essa medida traria
uma contribuição importante para reduzir o incômodo sonoro gerado,
diminuindo significativamente os acionamentos.
Sugere-se também
que sejam introduzidas alterações na Lei 938/86, notadamente
quanto: à duração máxima permitida para o sinal, que, propõe-se,
seja reduzida a um valor em torno de 10 a 15 segundos, mais que
suficiente para anunciar a saída de veículos; ao período em que o
sinal sonoro deve ser desligado. Propõe-se o desligamento das 20:00
às 8:00 horas e, nas manhãs de domingo, até as 9:00; ao nível
máximo permitido, que deve ser revisto.
Observe-se que a
sugestão de aumento do período de desligamento para um intervalo
maior do que o definido na NBR 101.51/2000 como período noturno
mínimo é feita com base na constatação de que as sinaleiras têm,
de fato, muito menos utilidade para a segurança dos pedestres do que
faz supor o texto da Lei, além de gerar, como já mencionado,
incômodo apreciável. Esses aspectos, somados aos fatos de que 1)
alguns prédios não necessitam de nenhuma sinalização por permitir
ao motorista visão ampla dos pedestres; 2) em vário casos, a saída
de veículos é acompanhada e controlada pelo porteiro, o uso de
sinalização sendo, nessas ocasiões, também dispensável; 3) que
todos os carros possuem equipamento de sinalização sonora e
luminosa (respectivamente, buzina e faróis), que podem ser
utilizados a critério do motorista e 4) que grande parte dos
sistemas de sinalização encontrados atualmente é de baixíssima
eficiência, levam à sugestão de que se considere a possibilidade
de uma reformulação mais radical da Lei 938/96, REVOGANDO a
obrigatoriedade da instalação (salvo talvez em alguns casos
específicos), que passaria então a ser opcional. Nesse caso, os
equipamentos e sua operação continuariam sujeitos a uma série de
especificações, como as sugeridas acima.
Espera-se, com essas
sugestões, contribuir para reduzir os problemas gerados a partir da
Lei 938/86, que necessita de revisão. Deve-se lembrar que a redução
de ruídos inúteis reverte num aumento da conscientização da
população em relação aos problemas de poluição sonora.
Referências
[1] Musafir, R. E.,
Zambelli, A. L. P., Discussão sobre os equipamentos de sinalização
sonora encontrados no Município do Rio de Janeiro, 14º Encontro da
Sociedade Brasileira de Acústica, p. 8 (resumo), Curitiba, novembro
de 1993.
[2] Resolução
CONAMA No. 001 de 08 de março de 1990, D. O. da União de 02/04/90,
Seção I,